Finalística, causalística e programática

O texto "Nosso Programa" de Vilém Flusser aborda entendimentos acerca da existência humana, trazendo os conceitos de finalística, causalística e programática. A princípio, a tradição religiosa e a herança mítica sujeitam a existência a um propósito, destino, muitas vezes opaco, que exige meta para ser alcançado, estabelecendo a finalística. Já as ciências da natureza determina que a existência está inserida em um tecido complexo de cadeias causais, nas quais toda ação é efeito de uma causa e causa de outros efeitos, constituindo a causalística. Analisando ambos vieses, percebe-se que é possível viver sobrepondo os dois, apesar de serem opostos, visto que apresentam a mesma lógica linear de "motivo-meta" e "causa-efeito", logo é possível, por exemplo, ter uma visão da natureza como causa-efeito simultaneamente com uma visão de destino na cultura. No entanto, a concepção programática abordada por Flusser não admite outras visões simultâneas a si, uma vez que ela determina que a existência parte das virtualidades, existentes em um programa, que se realizam por acaso, como por exemplo o ser humano surgir de uma das permutações possível do código genético presente em todos os seres vivos. Dessa maneira, ela anula a linearidade final e causal e assume dimensões múltiplas, sendo assim a visão do absurdo. O filme "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo" relaciona-se com tal conceito, uma vez que aborda um universo fictício no qual existe o "multiverso", caracterizado por diversas realidades diferentes, que se diferem justamente na realização de acasos que levam à mudanças leves até mudanças absurdas, como por exemplo a personagem principal ser uma cantora muito famosa em outra realidade e ter mãos com dedos de salsicha em uma terceira. 

Tais conceitos foram abordados durante a aula em uma dinâmica corporal que os exemplifica, na prática. A princípio, fomos instruídos a fazer uma fila indiana e organizá-la por altura dos indivíduos, indo de menor a maior. Assim, a meta era trocar de lugar com as pessoas, a fim de atingir o propósito final proposto, evidenciando a finalística. Em seguida, o exercício era formar uma roda e passar um movimento recebido de um colega de um lado para um do outro lado, podendo escolher entre passar pelo ombro ou pelo pé, demonstrando a causalística, visto que não existia um propósito final e sim uma relação de causa e efeito. Por fim, nos colocamos em qualquer lugar do pátio e movimentos eram passados, de maneira que o individuo o recebia e passava para outro colega e podia parar em qualquer lugar do pátio. Assim, ficou evidente a visão programática no acaso em relação à posição final de cada um, visto que era possível escolher qualquer uma dentro do lugar definido. Em suma, a dinâmica corporal colocou em pauta a questão da liberdade em cada uma das visões, visto que nas duas primeiras não existe nenhuma abertura para uma escolha genuína, pois quando ela existe já é determinada pela causa. Já no último exercício percebe-se uma gama de possibilidades de posição do corpo, no entanto no final a turma ficou mais concentrada em determinados locais, evidenciando que existem também fatores que controlam o nosso comportamento, e assim a suposta liberdade também passa a ser questionada. Nesse viés, Flusser discorre sobre como o comportamento humano é programado por aparelhos, de forma que a sociedade passa a ser controlada por eles. Cada vez mais autonomizados, eles se tornam independentes de seus programadores, e procuram aperfeiçoar-se. Continuaremos a ser homens ou passaremos a ser robôs? É necessário emancipar-se do domínio dos aparelhos e para isso é crucial assumi-los, assumir o absurdo e jogar com ele. É emancipar-se da busca por significação.

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